Do Brasil para a Europa

Um sonho de uma adolescente, um vídeo no Tiktok e uma insatisfação com o governo atual do Brasil. Foi assim que a movimentação para sairmos do Brasil começou.

Há muitos anos, minha filha Maria Eduarda, que hoje tem 17 anos, sonhava em morar em outro país. Vivia juntando aquelas fotos do Pinterest dos quartos bem estilo aesthetic, com luzes penduradas na parede, uma vista bonita da janela e uma varanda. Imaginava um lugar tranquilo, bonito, que pudesse acordar pela manhã e sentir prazer ao se levantar. Essa vista que ela desejava não tinha no Brasil, e mesmo que a condição que ela se se encontrava não a permitisse sonhar tão alto, ela não deixava de sonhar.

Pouquíssimas vezes na vida, Duda teve um espaço pra chamar de seu. Desde que nasceu tivemos que compartilhar o quarto e/ou a cama e, nas poucas vezes que teve seu canto, não chegou as ser um local confortável ou visivelmente agradável. E como boa leonina que é, precisa do belo para se sentir bem.

Minha mãe não pôde fazer muito por mim nessa vida, tudo que construí foi com o fruto do meu trabalho e por causa disso muitas vezes vem aquela vontade de falar, "trabalhe e lute pelo o que você quer". Mas, se eu tenho a condição de quebrar o ciclo e fazer diferente, por que não fazê-lo? Existe uma linha muito tênue entre, dar tudo de mão beijada para os filhos impedindo-os de crescer e evoluir como ser humano, e de ajudá-los nessa construção. Ninguém cresce sozinho. Para eu conquistar meu espaço eu precisei do auxílio e da confiança de muita gente. Minha mãe não conseguiu ser essa pessoa (não porque ela não quis, mas porque ela não pôde e existe um motivo muito forte por trás disso), mas outras pessoas ocuparam esse papel. E se eu ainda tenho condições de cumprir esse papel na vida da minha filha, então, sim, eu quero ser a primeira da fila nessa plateia.

Ciente dos sonhos de princesa dela, um dia apareceu pra mim um vídeo no tiktok onde uma menina falava sobre as possibilidades de morar na Inglaterra legalmente, morando de graça e recebendo um auxílio X. Não lembro dos detalhes do vídeo e nem sei onde ele está agora (caso venham me perguntar), só lembro que falei pra ela assim: "olha aí, pra você que sonha em sair do Brasil. Da uma pesquisada". Tu acha que ela pesquisou? Pesquisou nada! Fez foi me atazanar por três dias seguidos repetindo a frase "mãe, vamos embora daqui". Até que finalmente ela despertou em mim o questionamento: E se?

O primeiro desejo de mudança surgiu em agosto de 2020. Queríamos nos mudar pra São Paulo e acabei desanimando por causa da instabilidade do comércio na pandemia. E de que adiantaria sair de Brasília e ir pra São Paulo se o governo continuaria o mesmo? Foi aí que veio a cartada final. Meu empreendimento foi bastante afetado na pandemia, e quando ele estava começando a se reerguer, fecharam tudo de novo. Eu fiquei com muita raiva de tudo. Eu sentia ódio do presidente como ainda não havia sentido. Os preços de tudo subindo, as compras do mês que não davam pra nada, tudo caro demais, gás, gasolina, roupas... eu trabalhava pra pagar conta e nada mais. O surto veio com tudo. Então a Duda aproveitou desse meu momento pra me convencer, e deu certo. E eu disse: se for pra sair daqui que pelo menos pra um lugar onde a gente consiga se comunicar. Vamos para a Espanha!

Eu me imaginei morando fora pouquíssimas vezes nessa vida, mas nunca tinha visto uma possibilidade real disso acontecer. Tenho familiares e amigos que se aventuraram nessa vida, mas eu sempre fui muito apegada às minhas raízes, não conseguia me ver dentro desse quadro. Mas desde quando a ideia de mudar surgiu eu já comecei a trabalhar um pouco desse desapego, então quando foi pra decidir essa mudança mais radical foi um pouco mais "fácil".

Comecei a conversar com meus amigos que se jogaram nessa aventura, pesquisei sobre os países, custo e qualidade de vida, trabalho, moradia, clima, quanto de dinheiro eu precisaria levar para recomeçar, e em menos de um mês tava tudo anotado, só precisava colocar o plano em execução. A ideia inicial era vir na frente e a Duda viria depois. Eu ia comprar um curso de espanhol pra entrar com o visto de estudante e ficar legal por um ano sem me estressar, mas quando chegou o dia limite que eu tinha escolhido para bater o martelo, eu ainda não tinha todo o valor do curso em mãos. Tive que decidir "vou como turista e resolvo tudo de lá ou espero?". Se eu esperasse mais, conhecendo como me conheço, aconteceria como aconteceu com São Paulo, eu desistiria. Então resolvi arriscar, mas dessa vez com a Duda.

Uma das maiores influências dessa decisão foi quando uma amiga minha relatou a história dela. Que, para mudarem de vida, a mãe dela foi na frente pra ajeitar as coisas e ela ficou com a avó. Ela fala que preferiria ter vivido tudo junto, todos os perrengues do que ter ficado para trás. Não que ela tenha sido mal cuidada, muito pelo contrário, o amor pela avó dela é gigantesco, mas o sentimento de abandono existe até hoje. E o que eu menos quero é deixar traumas na minha filha pra que ela tenha que curar na vida adulta. Já bastam os que eu já deixei e estou tentando consertar até hoje, esse definitivamente não poderia ser mais um.

Ingenuidade a minha de achar que suportaria viver o maior desafio da minha vida sem a pessoa que esteve ao meu lado nos melhores e piores dias até hoje. Foi um alívio ter tomado essa decisão. E, não sei você, mas eu acredito muito em Deus e na energia do universo. Quando mudei um pouco a jogada as coisas simplesmente começaram a fluir. Nem eu e nem ela estávamos felizes com a ideia de nos separarmos. Hoje já estamos há 37 dias fora do Brasil e posso dizer com convicção; sem ela seria 200x mais difícil. Estamos vivendo dias de alegria e dias de choro, mas sabermos que temos uma outra torna tudo mais leve.